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Único e inigualável.

Kintsugi, ou”emenda de ouro”, também conhecido como Kintsukuroi (reparo com ouro) é a arte japonesa de reparar uma cerâmica quebrada com laca espanada ou misturada com pó de ouro, prata ou platina.

Como terapeuta de pensamento sistêmico, estou sempre buscando novas maneiras de falar sobre BodyTalk e a percepção à partir de que tudo que é expresso pelo corpo, nos conta sobre nós mesmos. A técnica japonesa do Kintsugi, nos ensina basicamente duas coisas. A primeira é que todas as partes pertencem e absolutamente nada será jogado fora, tendo assim o seu lugar. A segunda é que os remendos, ou cicatrizes, são exatamente o que tornam a peça única e inigualável.

As pessoas procuram terapia justamente porque querem, ou julgam, que precisam ser concertadas. Querem apagar suas histórias familiares, que às vezes remontam aos ancestrais. Querem que seus traumas não sejam transmitidos aos descendentes. Talvez tragam a vontade de pertencer a outra família com outra história. E desejam também que suas cicatrizes desapareçam. É muito, muito dolorido mesmo, perceber que vamos recebendo impactos ao longo da experiência chamada vida. Se pudéssemos, escolheríamos só as experiências rotuladas de benéficas. Queremos chamar isto de "cura". No anseio de curar, projetamos que podemos controlar as experiências e ser o que não somos.

Mas me conte, como ser o que não se é? Precisaríamos ser qualquer outro...

Cada um de nós é reflexo integral da própria história, inteira, como ela é. Com as dores, com as dificuldades e com tudo de maravilhoso. Como a cerâmica que se parte em muitos pedaços, no entanto, cada pedacinho é insubstituível. O Kintsugi está aí para mostrar isso, nesta arte de reconstruir, cujas cicatrizes são ressaltadas com metal nobre, para que toda a preciosidade do processo tenha a força de sustentar o que antes estava partido.

As terapias sistêmicas tratam exatamente disso, do sistema, da peça inteira e não do pedacinho quebrado, costumeiramente chamado de sintoma. A terapia ajuda que a peça inteira, o Eu, se reconheça em sua várias partes e se perceba único. Cada história difícil, que te partiu, tem um imenso valor em conteúdo e aprendizado. Elas não deveriam ser desprezadas sabe?

A velocidade deste mundo de imagens, cria ilusões severas sobre o que deveríamos ser e com o que deveríamos nos parecer. Pais perfeitos, filhos perfeitos, busca incessante de algo que se chama felicidade e plenitude. Acontece que felicidade e plenitude não são um porto de chegada. São momentos transitórios. Eles vem e se vão à revelia do que se queira. Entregamos ao filhos o que temos e nada garante que serão plenos e felizes, pois sempre há um Eu, que terá seus pedacinhos partidos por aí também.

Agora mesmo há tanto se quebrando. A natureza, as relações, crenças e valores, coisas dadas como certas.

Somos capazes de ver beleza numa peça reconstituída, de admirá-la, valorizá-la pela plasticidade e história. Pelo que ela revela em suas cicatrizes. A terapia apoia para que nos percebamos neste potencial de beleza e contribuição que somos no mundo, exatamente por ser quem somos.

Cada dor que sentimos, no corpo ou na alma, é reflexo de algo que partiu e -somente por isso - merece ser observado amorosamente, recebendo a restauração de ouro chamada amor próprio, auto conhecimento e aceitação, lembrando que nenhum pedaço é desprezível e sem lugar em si mesmo.

O que acontece é que a gente aprende a ver beleza, onde antes era escuridão.

Celia Barboza

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